Crítica | A Genialidade Inepta de ‘Divisão Palermo’ Retorna para uma 2ª Temporada Essencial

Vencedora do Emmy Internacional, a comédia argentina da Netflix aprofunda sua sátira ao tokenismo e prova, mais uma vez, que o humor mais inteligente pode nascer das piores intenções

Em um mar de comédias que buscam o riso fácil, poucas séries ousam ser tão corajosas, inteligentes e genuinamente hilárias quanto “Divisão Palermo”. A produção argentina, que surpreendeu o mundo e conquistou o merecido Emmy Internacional de Melhor Comédia, retorna à Netflix para sua segunda temporada, não apenas para cumprir expectativas, mas para reafirmar seu posto como uma das sátiras mais afiadas da televisão atual.

Criada e estrelada pelo brilhante Santiago Korovsky, a série parte de uma premissa que é, em si, uma obra-prima da crítica social: para limpar a imagem da polícia, o governo de Buenos Aires cria uma patrulha urbana de guarda baixa, composta inteiramente por membros de grupos minoritários. A “Divisão Palermo” é uma operação de marketing, uma coleção de “tokens” humanos — um cego, uma mulher trans, um cadeirante, uma pessoa com nanismo — reunidos para uma foto bonita. O plano, claro, sai espetacularmente dos trilhos quando esses heróis improváveis começam a resolver crimes de verdade.

A Sátira ao Tokenismo: A Piada é o Sistema

Onde “Divisão Palermo” realmente brilha é em sua abordagem ao tokenismo. A série não faz piada com seus personagens, mas sim com o sistema cínico que os vê apenas como cotas a serem preenchidas. A genialidade do roteiro de Korovsky está em expor o absurdo das iniciativas de “diversidade de planilha”, onde a inclusão é performativa e a intenção é puramente a imagem.

A nova temporada, agora com seis episódios mais enxutos, aprofunda essa crítica. Vemos a burocracia e os superiores dos Palermo tentando capitalizar sobre o sucesso inesperado da equipe, enquanto o esquadrão, com sua total falta de preparo e um excesso de boa vontade, continua a causar o caos e, de alguma forma, a fazer a coisa certa.

Um Coração Desajustado, Agora Maior

Apesar da sátira social afiada, o que eleva a série é seu coração. O elenco de desajustados, liderado pelo ansioso e cativante Urbano (Korovsky) e pela impulsiva Sofía (a excelente Pilar Gamboa), forma uma família disfuncional pela qual é impossível não torcer. A química entre eles é o motor emocional que transforma a premissa cômica em algo com alma. A adição de um peso-pesado como Juan Minujín (El Marginal) nesta temporada traz uma nova e bem-vinda camada à dinâmica do grupo.

E para o público brasileiro, a série guarda um aceno carinhoso. A inclusão do clássico do axé “Doce Obsessão”, do Cheiro de Amor, na trilha sonora é uma ponte cultural deliciosa, inspirada nas próprias memórias de férias do criador em Florianópolis nos anos 90.

O Veredito

A segunda temporada de “Divisão Palermo” é a prova de que o sucesso da primeira não foi um acaso. A série retorna mais confiante, mais afiada e ainda mais engraçada. É uma obra subversiva que usa a comédia como um bisturi para dissecar o preconceito e a hipocrisia da sociedade moderna. Em um mundo que leva a imagem tão a sério, “Divisão Palermo” nos lembra que, às vezes, são os heróis que ninguém leva a sério que acabam salvando o dia. Uma maratona obrigatória.

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