Em uma das adaptações mais cínicas já feitas, a produção do Prime Video com Ice Cube transforma o clássico de H.G. Wells em um comercial de duas horas, aniquilando qualquer traço de suspense, inteligência ou dignidade.
A obra-prima de H.G. Wells, “A Guerra dos Mundos”, sobreviveu a mais de um século como uma alegoria poderosa sobre a fragilidade do império, o colonialismo e o terror existencial da humanidade diante do desconhecido. Ao longo das décadas, ganhou adaptações memoráveis que capturaram os medos de sua época, da paranoia da Guerra Fria à ansiedade pós-11 de setembro. A nova versão de 2025, uma produção da Universal lançada diretamente no Prime Video, também captura o espírito de seu tempo, mas da forma mais deprimente possível: ela identifica que o verdadeiro poder a ser temido e, aparentemente, adorado, não vem de Marte, mas sim do centro de distribuição da Amazon.
O resultado não é apenas um filme ruim; é um monumento ao cinismo, uma obra que falha em todos os fundamentos do cinema enquanto tem sucesso em sua única e verdadeira missão: ser o mais longo e descarado comercial já produzido.
O Fim do Mundo, Patrocinado pela Entrega Prime
A premissa inicial tinha potencial: acompanhar uma invasão alienígena global através da perspectiva limitada de um funcionário do governo, vivido por Ice Cube, confinado às telas de seus dispositivos. O formato “screenlife”, quando bem executado (como em Buscando…), pode ser um gerador de tensão claustrofóbica. Aqui, ele é apenas uma desculpa para um desfile caótico de janelas de chat, feeds de notícias e videochamadas que se assemelham menos a um filme e mais a um dia de trabalho em home office durante o apocalipse.

A catástrofe artística, no entanto, se consolida quando o roteiro revela sua grande virada: a salvação da humanidade não virá da ciência, da resiliência ou de um golpe de sorte biológico, mas sim da infraestrutura de entregas da Amazon. Sim, você leu corretamente. Em um momento de clímax que insulta a inteligência do espectador, a rede logística da megacorporação se torna a arma secreta contra os invasores. É a completa subversão da mensagem de Wells, trocando a crítica ao poder imperial pela sua glorificação.
Um Vácuo de Emoção e Técnica
Mesmo que se ignore a propaganda descarada, o filme desmorona sob o peso de sua própria incompetência. As atuações são desconcertantemente apáticas. Ice Cube atravessa o fim do mundo com a mesma energia de quem está reclamando de um produto errado em uma live, desprovido de qualquer senso de urgência ou pânico. Eva Longoria surge em uma participação especial tão vazia e sem propósito que sua personagem parece ter percebido em qual filme estava e decidido ir embora mais cedo.
Tecnicamente, a produção é um desastre. O CGI dos tripés alienígenas possui a sofisticação de uma animação de faculdade, enquanto o design de som genérico remove todo o peso e o impacto da destruição. A direção frenética e sem foco transforma o que deveria ser um suspense intimista em um amontoado de cortes desconexos, impossibilitando qualquer tipo de conexão emocional.
O Veredito: Pior que a Aniquilação Alienígena
“A Guerra dos Mundos” de 2025 é mais do que um candidato a pior filme do ano; é um sintoma preocupante do estado da produção de conteúdo para streaming. É uma obra que não confia na própria história, não respeita seu público e existe apenas para reforçar a presença de uma marca na vida do consumidor.
No clássico de Wells, a humanidade é salva por sua própria vulnerabilidade – as bactérias. Nesta versão, somos salvos pela conveniência. E talvez essa seja a alegoria mais assustadora de todas. Se esta é a arte que nossa era produz, talvez a invasão não seja de todo uma má ideia. Pelo menos a entrega seria rápida.